Tudo começou quando o professor Cristiano Carvalho foi abordado por uma jovem artista ao fim de um curso de fotografia em 2011. Elise Milani, surda, propôs o ensino dessa arte para deficientes auditivos. (Esse foi o meu primeiro contato com a comunidade surda. Elise passou a trabalhar comigo como auxiliar e, com o tempo, fui aprendendo a língua brasileira de sinais (Libras), relata o professor. Foram diversas turmas informais de fotografia atendidas dentro da Pastoral do Surdo, na 914 Sul.
Entre emoções e aprendizados, Cristiano fundou o projeto Surdofoto um ano depois, ministrado na Associação de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos (Apada). (Em 2012, surgiu o interesse de criar um projeto definitivo. Foi quando me juntei à mestre em linguística e educadora de surdos Isabela Gurgel e à cineasta brasiliense Madalena Schnabel para criarmos o projeto Surdofoto), explica.
Hoje, aos 32 anos, Elise trabalha em uma empresa pública como auxiliar administrativo, mas investe em trabalhos fotográficos autorais. Uma das vantagens do Surdofoto, segundo Elise, é o diálogo instantâneo entre aluno e professor pelos sinais, em Libras. (Libras é a nossa língua. Não precisa de intérprete ou intermediário. Isso ajuda a entender o conteúdo com maior rapidez).
Ex-aluna e, agora fotógrafa, Celyse Sasse, 26, faz pós-graduação em ortodontia e comenta sobre o que a iniciativa de Elise e de Cristiano significa. (O Surdofoto representa a minha mais perfeita identidade. Esse projeto me traz segurança. É uma experiência de convívio que expressa nosso cotidiano, como enxergamos o mundo. Nós, surdos, não conseguimos extrair dos sons os sentimentos e as emoções.)
O curso funciona com programação anual e tem capacidade para duas turmas de 20 alunos. Os professores são voluntários. Os parceiros fornecem a infraestrutura para a ministração dos conteúdos, além de oficinas de fotografia gratuitas para a comunidade surda.
Os objetivos ultrapassam a simples relação de manusear uma câmera. Por meio dos instantes clicados, o projeto oferece um modo de expressão e proporciona oportunidades aos surdos de conhecer e participar das artes. (Os resultados são imagens que retratam os sentimentos de quem vive no silêncio), comenta Cristiano.
Foco
O clique fixa um momento singular. A visão é o sentido mais aguçado dos deficientes auditivos. Os alunos — concentrados — experimentam as diversas possibilidades de cada momento eternizado. (Expressamos-nos pelo olhar, e a fotografia consegue captar os momentos mais significativos de nossos sentimentos. Conseguimos demonstrar como vemos o mundo ao nosso redor e não apenas registrar o momento inesperado de forma simples), esclarece
Silêncio. As mãos do professor falam. Ensina-se os aspectos básicos da fotografia. Como se fossem versos, escrevem com a luz aquilo que enxergam. (Eu gosto de usar o termo (poesia visual) para meu trabalho. Gosto quando as pessoas olham as imagens que faço e ficam pensando. Quero que eles vejam e reflitam sobre as minhas fotos e sobre o que elas (falam)) destaca a poeta-fotógrafa Celyse.
Percalços
Apesar de todo esforço investido, o projeto passa por dificuldades. O professor Cristiano não esconde: (Estamos no momento sem apoio de governos. Os estudantes, em sua maioria, são de baixa renda. Além disso, os alunos que optam por se profissionalizar têm a dificuldade de adquirir equipamentos para dar continuidade ao trabalho com fotografia.)
A maior adversidade apontada pelo professor, no curso básico de fotografia, é a falta de material profissional. Há quatro máquinas fotográficas disponíveis para um total de 20 alunos por turma. (Nosso maior desafio é adquirir mais equipamentos para poder dar aula prática aos meninos. Uma máquina para cada dois alunos seria o ideal.)
A arte não se limita a questões físicas. Apesar disso, Celyse Sasse relata ao Correio que ainda existe preconceito quando descobrem que ela é surda. (Só porque somos surdos, será que não somos capazes? Só porque não escutamos, não somos capazes de sentirmos o momento?), indaga. Ela também não esconde o desejo de seguir carreira fotográfica e desabafa: (Quando alguém admira meus trabalhos, mas descobre a minha condição, fica com o pé atrás, não acredita na minha capacidade ou até pensa que a foto é montagem), conclui.
Estagiário sob supervisão de José Carlos Vieira
Exposição
Fotógrafo, detentor do prestigiado prêmio World Press Photo, em 2000, Olivier Boëls dará início ao projeto Vozes da alma. Com apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), a iniciativa se destina exclusivamente para surdos que queiram mergulhar no universo da fotografia. Os estudantes terão 30 encontros com aulas teóricas e práticas. O projeto é assinado por Nísia Sacco e Boëls em parceria com Surdofoto e Ashram Photo. Vozes da Alma culminará em uma exposição que acontecerá em junho de 2018, no Museu Nacional da República. Interessados em participar do
projeto deverão enviar e-mail para milarepaproducoes@gmail.com ou mensagem para o número (61) 98180-4044.
Acessibilidade
Elise Sasse percebe mudanças com a preocupação e conscientização de algumas instituições a respeito da acessibilidade, como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). (Antes não havia quase nada para surdos. Os artistas (e as instituições) estão percebendo e começando a colocar intérpretes em suas exposições na cidade. Isso é muito bom. O CCBB é exemplo disso). O CCBB oferece de forma gratuita visitas às exposições mediadas em libras, mediante agendamento prévio. Os dias disponíveis são de quinta a sábado, das 9h às 16h. Telefones para agendamento: 3108-7623 e
3108-7624.
Participe
Os interessados em fazer parte do Surdofoto devem enviar mensagem para o e-mail da coordenadora isabellagurgel@gmail.com. Para doações, contactar o professor Cristiano Carvalho (61) 98116-2528. Página do Surdofoto no Facebook: www.facebook.com/surdofotoclube
Fonte: Correio Brasiliense