As mulheres que não conseguem traçar uma linha sobre os olhos com delineador, uma provocação: Sabrina Custodia da Silva, 23, faz isso diariamente. Ela também abotoa a calça sozinha, acaba de se formar adestradora de cães e pratica triatlo modalidade da pesada que reúne corrida, nado e pedal. A meta é competir na Paraolimpíada do Rio.
(Como sou a única brasileira em minha categoria, depende 90% de mim), afirmou a paulistana, no parque Ibirapuera, enquanto estreava sua bicicleta ultraleve de fibra de carbono, adaptada especialmente para ela.
Nascida no Grajaú, zona sul de São Paulo, ela perdeu as duas mãos e parte da perna direita em um acidente.
Em 2011, ao subir na laje da casa a mesma onde vive hoje para mexer na antena da TV, desequilibrou-se e caiu sobre os fios de alta-tensão da rua, com o aparelho nas mãos.
Depois de esperar horas pelo resgate, foi levada ao Hospital das Clínicas, onde passou três meses internada. (Apenas me lembro de acordar toda enfaixada. Não fazia ideia da gravidade), conta.
Mesmo após as amputações, ela diz que nunca se sentiu deprimida, tampouco se coloca na condição de vítima. (Pensei: (Quase morri, preciso agradecer por estar viva). Tem gente que não pode nem sair da cama. Não sou uma coitadinha).
No esporte, Sabrina começou em 2012, para dar uma força a uma conhecida que também passou por amputações e estava deprimida. (Fazíamos natação juntas). Na sequência, passou a correr e, mais recentemente, a pedalar.
A autonomia da adestradora depende parte dela com as técnicas (ninja) que desenvolve usando queixo, boca e punhos, parte dos equipamentos, de custo altíssimo.
Só a meia especial que ela usa custa R$ 3.000. A prótese, orçada em R$ 30 mil, conseguiu em 2012, pelo Centro Marian Weiss.
Ainda sem patrocínio, Sabrina foi uma das selecionadas na plataforma on-line pela UHelp, que arrecada doações para portadores de deficiência terem uma vida mais autônoma. A ONG articulou, por exemplo, o curso de adestramento de cães para a jovem, que trabalhava como dogwalker (que passeia com cachorros) quando sofreu o acidente.
(Se dependesse de mim, pegaria todos os cachorros e gatos da rua), afirma a triatleta, casada há sete meses com o arremessador de peso cego Marcio Silva Braga Leite, 37, recordista brasileiro.
Em encontro com a São Paulo numa manhã de abril, Sabrina estava prestes a embarcar para uma competição de triatlo na Califórnia (EUA). No transporte aéreo, sua bicicleta, avaliada em R$ 18 mil mais o custo de adaptação, foi danificada e condenada por técnicos do fabricante.
Sabrina culpa a companhia aérea pelo dano. Em nota, a American Airlines informou estar em contato com a triatleta e (empenhada na resolução do caso), sem detalhar se pretende ressarci-la ou não.
Fonte: Folha de São Paulo